Saturday, October 22, 2011

O ouro dos corcundas











O ouro dos corcundas

Paulo Moreiras, Casa das Letras, Outubro 2011

Paulo Moreiras surpreendeu-nos, em 2002, com a publicação do excelente romance picaresco A demanda de D. Fuas Bragatela. Porque o que dele conhecíamos era O elogio da ginja que, embora, por vezes, possa induzir ao pícaro, nada tem a ver com a prosa romanesca já que se trata de uma espécie de biografia daquele fruto.

Publicado em 2000 e reeditado em 2006 com novo formato, veio a ser premiado internacionalmente nesse ano com dois prémios Gourmand, considerados os Oscars da literatura gastronómica. Com fotografias de Paulo Cunha, a obra venceu duas das categorias relativas a livros portugueses Melhor Livro Temático de Gastronomia e Melhor Fotografia de Livro de Gastronomia.

Pelo caminho ficou Do obscuro ofício, livro de poesia publicado em 2004.

Entusiasmado com O elogio da ginja Paulo Moreiras escreveu várias monografias, ou Bilhetes de Identidade, do palito, do tremoço, da perdiz e da morcela.

A estes trabalhos de investigação escritos de forma simples e acessível, não é estranho o facto do autor ser um bom garfo.

O segundo romance, Os dias de Saturno, surge em 2009, já em nova editora.

Em Outubro de 2011 acaba de ser publicado o seu mais recente livro.

O ouro dos corcundas é um romance amadurecido, na linha da primeira obra. Um romance picaresco que nos prende da primeira à última página.

Paulo Moreiras fez uma investigação aturada sobre a época das lutas liberais, mas não uma investigação do tipo académico. O Autor reporta-nos a vivência do povo da época, seja em Lisboa, seja, e sobretudo, nas pequenas vilas ou aldeias do interior. O falajar das gentes deixa-nos sem fôlego. Se alguns termos caíram em desuso, não será por isso que a prosa deixa de se entender – e de que maneira!

A informação histórica é profusa mas equilibrada pela forma como se integra e dilui na narrativa. Com um humor digno da melhor literatura picaresca.

A história passa-se na região de Leiria – Pombal, onde Moreiras vive, entre tabernas e quadrilhas de assaltantes de estrada, não faltando senhores e lacaios.

Para aguçar o apetite, deixemos aqui o excerto aposto em badana da capa:

“Na taberna do Cutrelhas Malafaia, entre pratos de chouriço com ovos e tinto de Colares, Vicente Maria ficara a saber, nas suas rapaces deambulações, mais pontos sobre a história da viúva: comentava-se à boca cheia que ela, além de teres e haveres de grande monta, fruía de um baú forrado com muitos contos de réis porque sabia escolher com argúcia os seus maridos, que tinham tanta vantagem de dinheiro como tinham de anos, pois todos eram avelados e com os pés embicados para a tumba. Ao fim de pouco tempo em companhia de jovem tão fogosa de vida, tal era a felicidade e plenitude que os consumia que os vetustos consortes acabavam por finar com um sorriso nos queixos, licenciando à mimosa viuvinha dilatadas heranças e basto cabedal”.

Não será de mais repetir que O ouro dos corcundas é uma obra amadurecida. Um romance picaresco que nos prende, alucinadamente, da primeira à última página.


Sines, 22 de Outubro de 2011
Joaquim Gonçalves

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