Thursday, June 7, 2012

O Senhor de Bougrelon



O Senhor de Bougrelon
Jean Lorrain, Sistema Solar, Maio 2012

Sabem o que é um "dandy"? Pois, sabe-se como se sabe, também, o que é, por exemplo, um "flaneur"! Mas, sabe a origem etimológica de "dandy"? Não há consenso. E pode ler-se sobre isso em mais uma belíssima introdução do excelente tradutor (também) Aníbal Fernandes.

Acabámos de ler “O Senhor de Bougrelon”, um daqueles romances que nos fazem lembrar que há boa literatura para além dos tempos e que sobrevive para além dos mercados.

De Jean Lorrain e editado pela Sistema Solar, chancela da novíssima Documenta que promete fazer frente às concentrações editoriais, combatendo com a qualidade e a originalidade.

Nunca vamos saber quem são os personagens que nos acompanham ao longo de pouco mais de cem páginas. O narrador e outro homem que o acompanha estão de visita às Holandas. Vão a museus mas também às casas suspeitas dos bairros de Amesterdão.

Mas, onde surge o Senhor de Bougrelon? Como nos diz o tradutor, “acaba por se revelar irreal dentro da realidade da ficção” e, acrescentamos nós, traduz-nos, através do seu comportamento e das suas tiradas, umas vezes meio filosóficas, outras, chauvinistas, as misérias e a luxúria de um século XIX de classes decadentes. Aqui ou ali uma tensão sexual de tendência incerta.

"[...] cada povo tem a cor de um fruto: a Espanha dá o tom da laranja, a febril Itália um verde como o das azeitonas, e a França oferece à mulher o cor-de-rosa aveludado dos pêssegos. Eu sempre considerei a mulher como um fruto. Quero lá saber das insípidas comparações com flores; a flor apanha-se, o fruto come-se, e o Senhor de Mortimer e eu sempre tivemos o dente afiado para as mesas postas com blusas de raparigas" (p. 55).

A crítica mordaz do estrangeiro ao autóctone desconhecido revela-se aqui ou ali com pinceladas de humor:

“A Kalverstraat a fervilhar, sulcada por idas e vindas de holandeses com bochechas e de holandesas radiantes, com rabos grandes e rins cheios de força que circulavam com ar pesado sob o crepitar da chuva, fustigaram-nos os nervos” (p. 72).

Não é só o holandês que está debaixo de fogo, é, também, a própria sociedade que, afinal, até nem terá mudado muito, tendo em conta, por exemplo, a passagem que se segue:

“A sociedade onde evoluíamos não era exactamente a assembleia de carroceiros que hoje existe; querem um exemplo? Os jornais fazem grande barulho com a caça organizada pelos actuais homens da finança. São os grandes senhores deste tempo. Lamentável época, senhores, e ainda mais lamentável a sociedade onde o dinheiro é tudo” (p.79).

Por aqui nos ficamos, certos de que estes poucos excertos da obra sejam motivo suficiente para relembrar o gosto pela boa literatura.

Sines, 7 de Junho de 2012
Joaquim Gonçalves

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