Friday, January 25, 2013

A Paixão


A Paixão
Almeida Faria
Assírio e Alvim, 12ª edição-revista: Janeiro 2013 [1ª edição 1965]


Alegria, consolo, contentamento, delícia, gozo, passatempo, prazer, regalo, sensualidade, volúpia, são apenas alguns dos sinónimos assinalados no respectivo dicionário para a palavra deleite.

Então, sentindo-me impotente para, por palavras, transmitir os sentidos, acolho nesta o sentimento de transcendência provocado pela leitura do segundo romance de Almeida Faria.

É tal a subtileza da sua escrita que até à própria PIDE passou praticamente despercebida a natureza revolucionária da narrativa.

Não se julgue, por isso, que é um livro panfletário. Longe, muito longe disso. Porque comungo da mesma opinião, não me resguardo de reproduzir parte da citação de Raduan Nassar na contracapa: “Ao ler A Paixão de Almeida Faria […], entrei em imediata comunhão com essa obra-prima […]”, classificando-o justamente de poema em prosa. E, também, da revista americana Books Abroad: “O seu segundo romance, A Paixão, possui as mesmas qualidades literalmente espantosas de Rumor Branco, sendo ao mesmo tempo mais despojado e mais apaixonado; desta vez a severidade é implacável, e a composição aposta numa disciplina exemplar”.

Com uma soberba caracterização de personagens, ao longo de mais de duzentas páginas, assistimos a uma exposição sociológica e antropológica sobejamente poética com todos os condimentos que possamos imaginar: da religião ao fervilhar político; a vida do trabalhador do campo e a do fazendeiro; a família; a rotura geracional (“[…] se assim é, eu saio, não se discute mais” (p. 192)); a emigração. E a mulher. Seja a mulher do campo ou a do lupanar, ela aí está presente “tendo nas mãos os elementos, o mundo inteiro que ela merece, ela e a sua classe, passo primeiro e necessário para a vida dos outros, vida não alienada, não nos limites do estômago, nos quais afinal acabou por cair, depois dessa viagem sabotada que se chamou revolução francesa e que os poderosos se encarregaram de estragar, sendo hoje necessária revolução mais radical, capaz de acabar com essa exploração desembestada que a besta burguesa burocrática inventa sempre com mais subtis máscaras” (p. 183).

Uma nota final para a capa lindíssima: A Paixão, desenho de Mário Botas.

Leiam. Leiam! Literatura como esta é imortal. Sou demasiado pequeno para escrever sobre ela.

Sines, 25 de Janeiro de 2013
Joaquim Gonçalves

(A leitura e escrita sobre este livro são da responsabilidade do autor e foram feitos sem o apoio da Editora)

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